É dever do governo do Estado da Bahia abrir um abrangente debate público sobre o projeto da Ponte Salvador-Itaparica. Por Manifesto Itaparica
Publicado no blog Manifesto Itaparica, em 27/01/2010
"Adeus, Itaparica do meu coração, adeus, raízes que restarão somente num muro despencado ou outro, no gorgeio aflito de um sabiá sobrevivente, no adro de uma igrejinha venerável por milagre preservada" (João Ubaldo Ribeiro)
Os abaixo-assinados, cidadãos brasileiros, encontraram no emocionante e esclarecedor artigo "Adeus, Itaparica" (Jornal A Tarde, 22/01/2010), de autoria do escritor João Ubaldo Ribeiro, argumentos consistentes e equilibrados para inaugurar um debate amplo sobre o anteprojeto de construção da Ponte Salvador-Ilha de Itaparica, anunciado pelo governo do Estado da Bahia. O itaparicano João Ubaldo, cujos romances puseram a Ilha na geografia literária brasileira e universal, é uma voz qualificada para questionar elementos sombrios e outros mais claros do empreendimento, previsto como bilionário para os cofres públicos e incerto para o destino ecológico e econômico da maior ilha marítima do Brasil. O autor de "Viva o povo brasileiro" não está sozinho em seus questionamentos e nos incorporamos a eles nos seguintes pontos:
1. É dever do governo do Estado da Bahia abrir um abrangente debate público sobre o projeto da Ponte Salvador-Itaparica, cujo edital de parâmetros para a construção foi anunciado pelo secretário de Planejamento, Walter Pinheiro. Entendemos que uma obra dessa dimensão deve ser discutida previamente com o povo baiano em audiências públicas (sobretudo nos municípios de Salvador, Itaparica e Vera Cruz), e não imposta por decisão unilateral do Estado.
2. Lamentamos o anúncio do anteprojeto de uma ponte de 13km sem a realização prévia de um estudo aprofundado de impacto ambiental, histórico e econômico. Representantes da administração estadual alegam vantagens de naturezas diversas, numa polifonia oficial ruidosa e nebulosa quanto às metas do governo. Será a ponte a via tecnicamente mais adequada para melhorar a logística da economia estadual e ao mesmo tempo revigorar a Ilha sem prejudicar suas características?
3. O precário serviço terceirizado de transporte marítimo (ferry-boat) Salvador-Itaparica não é um argumento sólido para justificar a construção de uma ponte faraônica e abracadabrante. Os cidadãos têm direito a um serviço público razoável e eficiente. Cabe ao governo oferecê-lo, como oferecem vários governos ao redor do mundo.
4. Não é clara a prioridade do projeto para o desenvolvimento econômico da Bahia, nem mesmo para o turismo regional. Na capital baiana, há prioridades infra-estruturais gigantescas ainda não atendidas pelo Estado (municipal, estadual e federal), a exemplo da construção do Metrô de Salvador, cujas obras se arrastam, penosamente, há uma década, sem perspectiva de conclusão. Há ainda dezenas de intervenções mais prioritárias, a exemplo da urbanização de áreas periféricas e recuperação de vias de acesso à capital baiana, além de investimentos básicos na própria Ilha e na preservação da Baía.
5. João Ubaldo é irrespondível quando lembra o risco de a intervenção estatal estimular o turismo predatório na Ilha de Itaparica e no entorno da Baía de Todos-os-Santos, com megaempreendimentos agressivos ao meio ambiente e descaracterizadores da singularidade histórica da Bahia. Como enfatiza o escritor, os argumentos governamentais e empresariais apresentados até esse momento prenunciam um "atraso que transmutará Itaparica num ponto de autopista, entre resorts, campos de golfe e condomínios de veranistas, uma patética Miami de pobre. E que, em lugar de valorizar o nosso turismo, padroniza-o e esteriliza-o, matando ao mesmo tempo, por economicamente inviável, toda a riqueza de nossa cultura e nossa História".
6. Anteprojetos e desenhos da estrutura da Ponte Salvador-Itaparica, divulgados pela mídia baiana, apontam para uma agressão à paisagem da Baía de Todos-os-Santos, um patrimônio ambiental inalienável do povo baiano, talvez o último a salvo da sanha empresarial que avança sobre o meio ambiente de Salvador e do Estado. Em sua visita à Bahia, em 1949, o escritor Albert Camus anotou em seu diário de viagem: "Prefiro essa baía à do Rio, muito espetacular para o meu gosto. Esta, pelo menos, tem uma medida e uma poesia". A ponte atingirá a medida e a poesia evocada por Camus, já incorporadas à alma dos baianos e dos turistas; sobre as águas calmas e azuladas de Yemanjá vai se erguer um monumento ao empreendedorismo desalmado?
7. Desejamos uma resposta formal do governador do Estado da Bahia, Jaques Wagner, ao artigo do romancista João Ubaldo Ribeiro e aos baianos. Seria um gesto de delicadeza e compromisso com os princípios democráticos fundadores do seu programa de governo.
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