por que a Prefeitura de Salvador escolheu um modelo de política tarifária que prejudica a população, especialmente a parcela social e economicamente mais vulnerável da sociedade? Por ObMob Salvador
A Prefeitura de Salvador deu um belo presente de Ano Novo para a população, logo na primeira semana de 2025: um aumento de 40 centavos (quase 8%) na tarifa do transporte coletivo por ônibus. Isso isola Salvador no topo do ranking das capitais nordestinas no que diz respeito ao custo do transporte público. Além disso, a cidade ocupa a quinta posição entre as tarifas mais caras do país, superando capitais do Sudeste e Sul, onde a população tem rendas maiores e sistemas de transporte público mais modernos e eficientes.
Esse aumento faz parte de uma sequência que se repete desde 2017, com exceção de 2024, quando a Prefeitura foi autorizada pela Câmara de Vereadores a subsidiar as empresas de ônibus em mais de 200 milhões de reais. E, em quase todos os anos, os aumentos na tarifa de ônibus superaram a inflação do ano anterior.
A tarifa passou de R$3,60 em 2017 para R$5,60 em 2025, ou seja, um acréscimo de R$2,00 em termos absolutos. Isso representa um aumento de 55,56% no período, enquanto a a inflação não chegou a 48%. Por esse critério, a tarifa deveria ser, no máximo, R$5,32 - 28 centavos a menos. No entanto, a Prefeitura agraciou os empresários do setor com isenções fiscais e aportes de recursos milionários, de modo que a tarifa deveria ser ainda menor.
Esse aumento é apenas um dos elementos da crise do transporte público na cidade, que também se caracteriza pelo corte de linhas, diminuição da frota e veículos precários, conforme o ObMob Salvador denunciou na campanha Devolva Meu Buzu, em 2024. Não é surpresa que a combinação da “tarifa exorbitante” com o “transporte público de péssima qualidade” tem levado a uma diminuição significativa da quantidade de passageiros a cada ano. Afinal, quem quer pagar – caro – para ser humilhado, perdendo sua dignidade como cidadão?
Isso é o que se chama de círculo vicioso da tarifa: a cada aumento, mais pessoas migram para os transportes individuais motorizados (carros e motocicletas) ou passam a sofrer com a imobilidade urbana. Com cada vez menos pessoas usando o transporte público, a arrecadação do sistema é menor, o que pressiona o poder público a autorizar novos aumentos.
Para aqueles que passam a utilizar automóveis, o resultado é o empobrecimento das famílias, por conta do custo de aquisição e de manutenção ou em razão dos gastos com aplicativos de viagens. Há ainda outro dado alarmante: parte da população, especialmente jovens negros, migra para as motocicletas, o que vem deixando um rastro de sangue no asfalto soteropolitano. A associação de todos esses fatores contribui para o aquecimento global e pressiona o Estado (União, governos estaduais e municipais) a gastar mais recursos públicos com viadutos, pontes, duplicação de vias e ampliação do número de leitos nos hospitais, sem falar nos recursos previdenciários. Esses recursos, não custa lembrar, poderiam ser usados para financiar outras políticas, inclusive melhorias no próprio transporte público. Importante informar que parte significativa desses recursos vêm dos impostos pagos por pessoas que nem possuem veículo particular.
Resta a mobilidade ativa compulsória para aqueles sem acesso ao transporte individual motorizado. Isso significa ter de andar por longos trajetos, em calçadas inapropriadas – ou em arremedos de passeios – a fim de acessar os empregos e serviços públicos. Outra consequência é se restringir aos seus bairros, numa guetificação da vida, que penaliza principalmente mulheres e jovens, especialmente os residentes em bairros periféricos e negros.
Já está claro que o modelo que a Prefeitura de Salvador escolheu para gerir e financiar o transporte público impacta não apenas na renda da população. Os efeitos das políticas de aumento de tarifa, cortes de linhas e diminuição da frota prejudicam a vida da população em várias dimensões, como limitação do acesso a oportunidades de trabalho, lazer, cultura, saúde e educação, apenas para falar de direitos básicos. O resultado: uma cidade mais hostil, perigosa, inacessível, segregada, empobrecida, cara e feia.
Em contraponto, o ObMob Salvador propôs, também em 2024, a campanha Buzu 0800, e defendeu a instituição da Taxa de Transporte Público (TTP), que substituiria o Vale Transporte. A taxa aumentaria a capacidade de arrecadação do município, na medida em que respeita a justiça tributária, e permitiria que a Prefeitura arrecadasse o suficiente para se chegar à Tarifa Zero sem tirar recursos de outras políticas. Além disso, a criação do Sistema Único de Mobilidade (SUM) e a adoção de uma nova modelagem de contratação pautada no custo – e não mais no passageiro transportado – são outras medidas capazes de revolucionar o transporte público, não apenas em Salvador.
Para finalizar, algumas perguntas se impõem: por que a Prefeitura de Salvador não consegue – ou não quer – romper com essa política destrutiva que tem levado o transporte público ao colapso? Por que escolher um modelo de política tarifária que prejudica a população, especialmente a parcela social e economicamente mais vulnerável da sociedade? Existem soluções para a crise do transporte público, e o prefeito Bruno Reis sabe disso. Talvez apenas lhe faltem a engenhosidade e a coragem necessárias para colocá-las em prática.
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