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Metrô de Salvador opera há um ano com tarifa zero

O que importa à população é o óbvio ululante, tão óbvio que está ali, escondido, na frente de todos. Por Manolo


Publicado no Passa Palavra

Até os defuntos do Cemitério dos Alemães sabem que a Prefeitura de Salvador e o Governo da Bahia partidarizaram a mobilidade urbana de Salvador ao ponto de travar a integração entre metrô e ônibus. As disputas sobre o modelo de gestão, sobre o valor da tarifa, sobre tudo quanto possa representar um obstáculo posto de uma parte à outra, tudo isto tem sido registrado pela imprensa.

A população de Salvador, como se diz por aqui, nem ‘tchuns’. Esses detalhes passam por seus olhos vidrados na TV e por seus ouvidos ligados no rádio como reza o ditado: “vocês que são brancos que se entendam”. O que importa à população é o óbvio ululante, tão óbvio que está ali, escondido, na frente de todos.

Desde 5 de abril de 2013 que o Governo da Bahia assumiu a obra do metrô (ver aqui), cujos 9km demoraram 14 anos até serem inaugurados, fazendo desta obra motivo de piada dentro e fora de Salvador. Tendo seu trecho inicial inaugurado em 13 de junho de 2014, com a presença da presidente Dilma Rousseff (ver aqui), o metrô de Salvador – que tem quatro trens, com capacidade para 200 pessoas sentadas e 800 em pé – funciona desde então no modelo de “operação assistida”; ou seja, os trens rodam sem cobrar dos passageiros para que se possa testar diversos aspectos da sua operação e gestão. Dizia-se, à época, que a “operação assistida” duraria até o dia 14 de setembro.

Desde agosto de 2014, há um horário especial da “operação assistida” – das 21h às 0h, abrindo duas horas antes e fechando uma hora depois – para coincidir com os eventos da Fonte Nova (ver aqui), e no fim do mês foi inaugurada a estação do Retiro (ver aqui). Em 1º de setembro de 2014, o horário de funcionamento foi estendido, agora indo das 8h até às 16h, com ampliação de horário em dias de eventos na Fonte Nova. Em 13 de dezembro de 2014, o Governo da Bahia comemorou a marca de dois milhões de passageiros transportados, numa média de vinte e um mil passageiros por dia (ver aqui). A “operação assistida” ainda estava em vigor.

Em 19 de maio de 2015, o Governo da Bahia comemorou a marca de cinco milhões de passageiros transportados (ver aqui). A “operação assistida” ainda estava, e está, em vigor; tudo indica que terminará quando for inaugurada a estação Pirajá, que com a estação da Lapa fecha as duas pontas da linha 1 (ver aqui).

E chega de tanto vaivém. Vamos falar do que interessa, agora?

Tem horas em que somos os únicos a ver o que está ali, escondido na frente de todos; em tal posição, temos a obrigação moral de dizê-lo. Ou ainda, como disse alguém no passado ao se encontrar na mesma situação: dixit, et salvavi animam meam. E o que é assim tão óbvio que ninguém vê? O mais evidente: que o metrô de Salvador está funcionando em regime de tarifa zero há quase um ano.

Como assim?

Tarifa zero, todos devem lembrar, é um “nome de fantasia” para um regime de prestação de serviço público (o transporte é só um deles) em que os custos não são cobrados diretamente do usuário no momento do uso, mas indiretamente, da população inteira, mediante o custeio do serviço através de recursos arrecadados por tributos. O SUS (Sistema Único de Saúde) é o exemplo mais evidente de “tarifa zero”; não é por acaso que hospitais privados disputam a tapa seus recursos para procedimentos de alta complexidade enquanto a saúde preventiva e a atenção básica são sucateadas.

Ora, o que é a “operação assistida” do metrô senão um período em que pessoas estão sendo levadas de um lugar ao outro sem desembolsar nada ali, na hora, quando usam o serviço? O que é a “operação assistida” senão a operação do metrô custeada por recursos do tesouro estadual?

Pouco importa o modelo de gestão econômico-financeira do negócio. Isso o Governo da Bahia pode explicar melhor, especialmente por meio de seus defensores mais ferrenhos, dos históricos aos de ocasião, que certamente argumentarão que “não dá”, que “não funciona”, que “vai quebrar o sistema”, que “a CCR [Concessionária responsável pela operação do metrô] não vai aceitar”, que “o contrato prevê outra coisa” etc.

O que importa é que, na prática, as pessoas estão vendo como funciona um transporte público com tarifa zero.

O que importa é que outros transportes de massa sendo implementados país afora também estão passando por “operações assistidas”, e quase ninguém se tocou de que ela é, na prática, uma forma temporária de tarifa zero.

O que importa é que se foi possível prever a dita “operação assistida” no contrato com as empresas, qualquer que seja o modelo contratualmente adotado, há fonte de recursos por aí para manter estes transportes de massa funcionando, e ainda pagar as assessorias técnicas que monitoram esta fase inicial para propor pequenos ajustes, treinar pessoal etc.

O que importa é que isto precisa ser pautado no debate político. E já.

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