Ônibus elétricos de última geração trafegam em uma cidade onde o transporte público provoca desigualdade, exclusão e segregação. Por ObMob Salvador
A crise do transporte público soteropolitano ganhou mais um capítulo. O prefeito de Salvador encaminhou para a Câmara Municipal o Projeto de Lei n. 130/2024, que autoriza a Prefeitura a contratar empréstimo, junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de mais de R$ 350 milhões. O objetivo? A aquisição de ônibus elétricos destinados ao Sistema de Transporte Público.
Tal projeto foi protocolado em um contexto eleitoral, quando o prefeito Bruno Reis, então candidato à reeleição, estava sendo confrontado pelos adversários por conta dos cortes de linhas de ônibus e da redução da frota na cidade. Esses questionamentos, por sua vez, foram um reflexo da insatisfação popular e da campanha Devolva Meu Buzu, lançada pelo Observatório da Mobilidade Urbana de Salvador com o apoio de diversas organizações da sociedade civil soteropolitana.
No último mês, o Projeto de Lei foi devolvido ao Poder Executivo a pedido do prefeito – agora reeleito, para reexame, sem maiores explicações. Se o projeto surpreendeu a todos, sua repentina retirada de pauta também causou espanto. O ofício solicitando a devolução foi lido pelo vereador Isnard Araújo (PL), 1º secretário da Mesa Diretora, quando os vereadores já se preparavam para a votação.
O Projeto de Lei está relacionado às propostas aprovadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), no programa de Renovação de Frotas do Ministério das Cidades (Portaria MCid n. 445/2024). Apenas para Salvador, projeta-se a aquisição de 94 ônibus elétricos e infraestrutura de recarga.
A renovação das frotas de ônibus das cidades brasileiras com foco na transição energética e no combate à crise climática é uma importante iniciativa do Governo Federal. No entanto, mais uma vez, se desperdiça a oportunidade de exigir contrapartidas das prefeituras, inclusive de Salvador, para modernizar e democratizar os seus sistemas de transporte públicos, tornando-os mais eficientes e transparentes.
Quais bairros serão atendidos pelos novos equipamentos? Como a população, especialmente a que foi dramaticamente afetada pelos cortes de linhas, participará do processo? O Governo Federal exigiu alguma contrapartida do município na análise para aprovação da proposta? Haverá mais corredores de ônibus? A integração intermodal e intermunicipal continuará precária? Os novos ônibus serão repassados às concessionárias sem exigência de contrapartidas?
É importante destacar que Salvador possui um Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob) vigente desde 2018 (lei n. 9374/2018 e decreto n. 29.929/2018). Além disso, o contrato de concessão foi judicializado e suas cláusulas, inclusive aquelas que garantiam direitos aos usuários, foram quase integralmente revogadas por Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) propostos pelo Ministério Público da Bahia. O pagamento da outorga pelas empresas também foi suspenso. Os estudos de racionalização do sistema exigidos pelo contrato de concessão nunca foram divulgados. Esses e outros documentos, indispensáveis para o controle público e social dos recursos repassados anualmente às empresas que operam o serviço, também nunca foram apresentados à população.
Salvador se encontra diante de uma preocupante “modernização conservadora”. Neste cenário, ônibus elétricos de última geração trafegam em uma cidade onde o transporte público provoca desigualdade, exclusão e segregação. Para completar o quadro desanimador, o contrato de concessão é praticamente inexistente, à exceção da absurda cláusula que garante às concessionárias o direito de explorar o serviço por 25 anos. Uma rara oportunidade de garantir e oferecer à população um transporte público acessível e de qualidade está prestes a ser jogada fora.
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