Querem transformar duas obras na Bahia em portfolio para vender sua engenharia bilionária para a América Latina, sem consumir nada no local. Sabem que o pedágio da ponte e a passagem do monotrilho não pagará o investimento, mas abrem mercados. Por Paulo Ormindo de Azevedo
Publicado no Jornal A Tarde e republicado no site da Usoport
A primeira vez que fui ao Rio, ainda criança, me espantei com triciclos entre os carros e meu pai me disse que eram de lavanderias de chineses. Depois os chineses passaram a ser sinônimos de restaurantes baratos, no Campo da Pólvora e no Cabeça. Hoje a China é uma potência e tempo e dinheiro para eles é coisa de somenos. Por isso não ligam para as declarações do capitão. Querem transformar duas obras na Bahia em portfolio para vender sua engenharia bilionária para a América Latina, sem consumir nada no local. Sabem que o pedágio da ponte e a passagem do monotrilho não pagará o investimento, mas abrem mercados.
Neste jornal mostrei que havia solução melhor: uma envolvente rodoferrovia de alta velocidade chegando até um hub-port em Salinas, com 23m de calado, que poderia ser o terminal da ferrovia transcontinental, e uma pequena ponte de acesso à Itaparica. Mas os mercadores chineses venceram. O Recôncavo sofrerá literalmente um curto-circuito. Salvador será invadida por 140 mil veículos/dia que se destinam ao Porto de Aratu, Litoral Norte, Aeroporto e Sergipe. Suas redes de saúde, educação e abastecimento serão sobrecarregadas pelas demandas de 16 municípios do oeste da BTS. A Estrada do Coco, acesso a Lauro, Camaçari, Mata e Dias D’Ávila ficará mais congestionada com os caminhões e carros que irão para o Copec, Ford, praias e Aracaju. As cidades históricas turísticas e as praias do Recôncavo serão mais marginalizadas.
Serviços e talentos do oeste da BTS serão sugados pelo campo gravitacional de Salvador. Ninguém irá se internar em hospital, fazer cursos ou se abastecer em estabelecimentos locais. Valença, Nazaré, S. Antônio de Jesus, Cruz das Almas e Feira só têm a perder. O Estaleiro da Enseada perderá competividade não podendo construir plataformas de petróleo, com a altura da ponte reduzida para 85 m. Marogipe, São Roque e Salinas perderão empregos e impostos. Vera Cruz se converterá em um favelão e entreposto de caminhões como São Gonçalo, junto a Niterói, que perdeu para a Barra a expansão do Rio. Engana-se o governo que a ponte irá trazer a soja e os minérios do Oeste. Nosso porto não processa graneis e o de Aratu está saturado. Os caminhões não competirão com o trem da Fiol. A ponte será só rodoviária.
O monotrilho, maquiado de VLT, é outra obra polêmica. Não é compatível com o metrô, beirando a baia servirá a um só lado da cidade, e violenta a cidade com estações aéreas e pilares a cada 30 m. Ele vai matar a estação da Calçada, que no futuro poderia servir a trens como o TGV. Em qualquer cidade, as estações ferroviária e rodoviária ficam no centro da cidade. Em Salvador elas ficarão em outros municípios, para desconforto nosso e lucro imobiliário. Srs. Prefeitos, abram os olhos! Curto-circuito provoca apagão.
Paulo Ormindo de Oliveira é arquiteto e professor titular da Universidade Federal da Bahia.
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