top of page

Proposta de tarifa zero nos ônibus é protocolada na Câmara de Salvador

Entidade defende criação de taxa a ser paga por empregadores, sustentando o transporte público. Por Lula Bonfim


Publicado no A Tarde

Uma ideia de projeto de lei protocolada na Câmara Municipal de Salvador pode mudar o dia-a-dia de grande parte da população da cidade. Isso porque, caso aprovada, a proposta poderá implantar a tarifa zero no transporte público da capital baiana, dando fim a um dos gastos mais incômodos para os soteropolitanos mais pobres.

A minuta do projeto foi protocolada na última segunda-feira, 17, pelo Observatório da Mobilidade Urbana de Salvador (ObMob), em uma iniciativa conjunta de diversas entidades de todo o país. O mesmo movimento também ocorreu em Belo Horizonte, Campinas-SP, João Pessoa, Manaus, São Gonçalo-RJ, São Paulo e Rio de Janeiro.

De acordo com o coordenador do ObMob Salvador, Daniel Caribé, a proposta foi inspirada no modelo de financiamento de transporte público aplicado na França, chamado de “Versement Transport”. Seria criada uma “taxa de transporte público” (TTP), substituindo o tradicional vale-transporte pago pelos empregadores, que alimentaria o Fundo Municipal de Mobilidade Urbana (FMMU).

Essa taxa também seria paga pelos patrões, mas não apenas para os trabalhadores de baixa remuneração. O valor seria pago, no caso da proposta, para todos os empregados, visando custear inteiramente o sistema de transporte público da cidade.

No cálculo do ObMob Salvador, essa taxa mensal pode variar entre R$ 116,30 e R$ 180,75 por trabalhador. O valor é alterado a depender da manutenção ou não do subsídio que atualmente é dado pela prefeitura ao sistema de transporte público, além de uma possível aprovação de isenção para nove funcionários a cada empresa.

“Uma empresa com 20 empregados vai pagar 11 taxas de transporte público por mês, já que os nove primeiros empregados estariam isentos. Isso seria uma proteção às pequenas empresas, que possuem poucos empregados”, explicou Caribé, em entrevista ao Portal A TARDE.
“Hoje, para um trabalhador que ganha um salário mínimo, o patrão paga cerca de R$ 150 de vale-transporte. A nossa taxa tem mais ou menos esse mesmo valor. Só que para todos os funcionários. O valor da taxa é o custo de transporte público dividido pelo número de vínculos formais de trabalho na cidade. Isso, na ordem de R$ 150 por mês, poderia sustentar todo o sistema de transporte público da cidade”, defendeu o coordenador do ObMob.

Para Caribé, a criação da TTP e do FMMU, com a consequente implantação da tarifa zero, democratizaria o transporte público em Salvador, possibilitando que pessoas desempregadas e sem renda fixa possam ter acesso ao serviço — considerado, desde 2015, um direito social pela Constituição do Brasil —, e evitando também o colapso do sistema.

“Entre outras coisas, o que causou o colapso dos sistemas de transporte público no Brasil durante a pandemia é que muitas pessoas deixaram de ter dinheiro para pagar a tarifa. Elas simplesmente deixaram de usar ônibus e, com isso, muitas empresas quebraram, como aconteceu com uma aqui em Salvador”, lembrou o coordenador, que também é doutor em Arquitetura e Urbanismo.

Daniel Caribé compreende, porém, que essa seria uma solução de curto e médio prazo. No contexto de Reforma Tributária vivido pelo Brasil atualmente, a tendência é de simplificação e unificação dos tributos em um sistema nacional, tornando datadas as tributações municipais.

Devido a isso, o ObMob, junto a outros movimentos sociais de todo o país, já pautou nacionalmente a criação do Sistema Único de Mobilidade (SUM), com uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) encampada pela deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP).

“Essa solução apresentada nos municípios, de fato, é provisória. A gente propôs a PEC para a criação do SUM, apresentada pela deputada Luiza Erundina. Essa seria a solução definitiva para o problema”, disse o coordenador ao Portal A TARDE.

A tarifa zero, no Brasil, era uma pauta intimamente ligada ao espectro político da esquerda. Para Caribé, porém, essa ideia está superada, já que boa parte das 116 cidades brasileiras que adotam o modelo possuem gestões identificadas ideologicamente à direita. Por isso, o urbanista não acredita que a ideia seja mal recebida pela base do prefeito Bruno Reis (União Brasil).

“Esse projeto de lei foi muito bem recebido pelos vereadores de Salvador. Esse é um projeto nacional. Apresentamos esse mesmo projeto em várias cidades ao mesmo tempo. Isso não é mais uma política de esquerda. Boa parte das prefeituras brasileiras que apresentaram a tarifa zero como solução são de direita. Então, essa pauta furou a barreira ideológica”, argumentou.

Câmara

Procurado pelo Portal A TARDE, o vereador Tiago Ferreira (PT), conhecido representante do Sindicato dos Rodoviários, afirmou que recebeu a ideia do ObMob com satisfação, através da Comissão de Transportes. Segundo ele, a proposta está sendo avaliada por sua equipe jurídica.

“Ainda não virou projeto de lei. Eu recebi um esboço do projeto de lei do Observatório de Mobilidade, com Daniel Caribé, e vou protocolar, pela Comissão de Transporte. Eu estou encaminhando para o setor jurídico elaborar o projeto propriamente dito”, disse o petista.

Ferreira afirmou ser totalmente favorável à ideia da tarifa zero, mas se mostrou cuidadoso quanto à fonte de financiamento. Ele demonstrou receio quanto à capacidade da TTP, da forma que foi proposta, de sustentar o sistema de transporte público em Salvador. Para ele, o fato do trabalho na cidade ser essencialmente informal, pode dificultar a arrecadação.

“A ideia da tarifa zero é excelente, mas precisamos estudar melhor as possíveis fontes de financiamento, para que a gente não se precipite, lançando o projeto de lei apressadamente. Vamos convocar uma audiência pública, para discutir isso melhor”, declarou o vereador.

“A gente está falando dos trabalhadores formais, que têm carteira assinada e que recebem vale transporte. Mas temos ainda os informais, que não recebem vale transporte, e que também precisam do serviço. Então eu creio que teremos que ver uma outra fonte de recursos que complemente esse novo fundo de mobilidade”, acrescentou.

Por fim, Tiago Ferreira defendeu a proposta de criação do SUM, através da PEC apresentada pela deputada Luiza Erundina. Segundo ele, essa seria a forma mais segura de tornar o transporte público acessível para toda a população.

“O processo de tarifa zero deve envolver todos os três entes federativos. Apenas o município teria dificuldade. É preciso ter o envolvimento das outras esferas: estadual e federal. A gente precisa de uma espécie de SUS do transporte”, concluiu o vereador.

Além de Tiago Ferreira, também receberam o documentos outros vereadores, como André Fraga (PV), Augusto Vasconcelos (PCdoB), Edvaldo Brito (PSD) e Laina Crisóstomo (PSOL).


Comments


bottom of page